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26/03/2019

Seminário discute as narrativas dominantes e mostra força da cultura periférica

Foram seis dias de uma programação intensa que trouxeram para o centro do debate temas como identidades, lugares de fala, cultura nas periferias e desenvolvimento humano pela leitura e pela escrita. O II Seminário Internacional Arte, palavra e leitura teve como base o Sesc Pinheiros, mas também promoveu oficinas na Unibes Cultural e com parceiros que desenvolvem trabalhos em Parelheiros (zona sul), Jardim Pantanal (zona leste) e Instituto Acaia (zona oeste).

No Teatro Paulo Autran, as discussões e as intervenções poéticas questionaram as narrativas dominantes e mostraram a potência das culturas chamadas periféricas marginalizadas pelo racismo, pelo machismo, pelo “adultocentrismo”, termo usado por Bruninho Souza, mediador da premiada Biblioteca Caminhos da Leitura.

Para Silvio Luiz de Almeida, jurista que fez parte da mesa inaugural do evento, intitulada “Lugares de fala e visibilidade”, as ações de ler e escrever modificam o ser humano. “Leitura nada mais é do que ter acesso àquilo que as pessoas pensaram, e sendo assim exige reflexão. O ato de escrita e o ato de leitura fazem parte de uma dimensão ética do que produzimos enquanto cultura, e devem ser aprendidas de maneira crítica. Não é só o ato de ler: é como se lê, em que contexto se lê, a partir de que lugar se lê.”

Ana Maria Gonçalves fala na mesa “Direitos humanos e Literatura”. Crédito: Fernando Cavalcanti

A escritora Bianca Santana, que participou da mesa “Direitos humanos e literatura”, apontou que não são poucos os eventos literários em que ela é confundida como funcionária da administração, produção ou até mesmo da limpeza do local. “No nosso imaginário social o escritor é um homem branco, no máximo uma mulher branca, de classe média. Isso é muito presente na história do Brasil. É nossa obrigação desconstruir essa narrativa, esses estereótipos, reafirmar a humanidade de todas as pessoas. Não falo só pelos meninos negros, só por mim, mulher negra, mas por todos nós.”

Para Bianca, os caminhos para a transformação social não se dão de uma hora para outra. “Se hoje eu posso me afirmar como mulher escritora, é porque antes de mim a Ana Maria Gonçalves publicou, antes dela a Conceição Evaristo tinha publicado, antes a Carolina Maria de Jesus, lá atrás a Maria Firmina dos Reis… Temos mulheres negras escritoras desde que o Brasil existe. Nós resistimos desde sempre, mas agora a nossa voz ecoa um pouco mais. É ainda pouco, mas sem dúvida estamos num curso de rio que vem de lá de trás e a minha sensação é que ele está alargando”, afirma.

De acordo com o escritor e poeta Jardson Remido, “é preciso ressignificar as relações, ressignificar a favela e valorizar a nossa linguagem, o que a gente produz de arte e de educação. O poder da palavra resgata, invade mesmo. Estamos aí, traficando a palavra, traficando afetos. A gente é silenciado, mas a gente vai gritar, vai dançar, vai se mexer, vai fazer algo. A favela vai sobreviver.” Ele participou da mesa “Literatura e sobrevivência? Juventudes em risco”, ao lado de Ketlin Santos e Bruno de Souza.

“Acredito muito que a transformação que a gente almeja para o mundo tem muito a ver com diálogo. Na biblioteca pública, uma das primeiras coisas que você vê é uma plaquinha pedindo silêncio. Na biblioteca comunitária, a primeira coisa que te perguntam é seu nome, de onde veio, o que está sentindo… É esse lugar onde o diálogo pode acontecer de forma genuína, onde o livro é importante mas a história do livro tem que se relacionar com a história da pessoa. São coisas que se complementam”, opina Bruno.

Atividade paralela realizada em Parelheiros. Crédito: Fernando Cavalcanti

Educadora social e coordenadora de projetos de direitos humanos do Instituto Brasileiro de Estudos e Apoio Comunitário (IBEAC), Bel Santos Mayer, que participou da mesa “O lugar da comunidade nos espaços de mediação”, foi uma das convidadas mais festejadas do evento. Ela considera a literatura um terreno da aproximação: é fundamental “poder se ver naquilo que lê, encontrar narrativas próximas às suas, pessoas que conseguiram traduzir em palavras, metáforas, histórias, crônicas, prosas, poesias, aquilo que você sente. As bibliotecas comunitárias valorizam muito os escritores locais, que sabem contar de nosso dia-a-dia, pois viveram aquilo com a gente.”

Ao final do Seminário, o público presente também manifestou a sensação trazida pelo evento. “Saio com uma certa inquietude, porém com muita base e muitas possibilidades do que fazer. Para mim, o ponto alto do evento foi a escuta da juventude. Em tanto tempo na educação, não tinha presenciado algo tão rico e produtivo”, afirmou Eliana Borges, da SME de Catalão.

Para Kelly Cristiane da Cruz Rocha, professora e técnica de educação na SME de Ferraz de Vasconcelos, se existe uma premissa de que a educação e a literatura são um direito de todos, devemos pensar quem são esse “todos”. “Se é lugar de fala e visibilidade, quem de fato tem voz? Precisamos entender esses contextos que determinam os lugares de fala e entender quem está invisibilizado, para que possa ser dada essa visibilidade.”

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